Não me importa que você more
Num advérbio de lugar,
E eu more noutro
Sabe por quê?
É simples, bobinha...
Você mora aqui dentro,
Cercada de lindos adjetivos
Nem me chateio com a ausência
Do seu nome do meu diário
Todo dia ouço você dizer “presente!”
No meu coração
Você foi embora?
Nem ligo!
Não te vejo mais ali na frente,
Me fazendo perguntas inteligentes,
Me ensinando a ensinar?
E daí?!
Ao fechar os olhos, ainda te vejo
Ao tampar os ouvidos, ainda te ouço
Você deixou em mim
Um pedacinho de si
E é com muito carinho,
E é a sete chaves
Que eu guardo essa preciosidade
Agora uma questão difícil
Quando eu digo
“Alguém adora você”,
Adivinha só
Quem é o sujeito da frase...
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
A dança dos pãezinhos: um elogio à loucura
Um punhado de sonhos numa grande bandeja cor de prata. De repente, uma faísca de vida: os pãezinhos recheados de doce de leite subitamente se levantam e começam a dançar. E não se trata de uma dança desgovernada, não são pãezinhos hard core; não, os sonhos dançam muito estilosa e sincronizadamente ao som de “Olha, isso aqui ta muito bom, isso aqui ta bom demaais... Olha, quem tá fora quer entrar, mas quem tá dentro não sai...”.
Seria essa a mesma faísca que o camundongo Mickey (na animação Fantasia, quando indevidamente pegou o aparato mágico de seu mestre) jogou sobre as vassouras, dando-lhes vida e a incumbência de carregar água para ele? Não sei, sinceramente não sei. Mas sei que lá estavam os pãezinhos, com seu recheio de doce de leite, e lá estava a canção, a embalar sua graciosa dança.
Foi então que eu despertei, com a baba entre a boca e o travesseiro. Coisa curiosa! – pensei – e comecei a rir sem parar. Quinta-feira, fim de tarde; ao meu lado, na cama, a revista Entre Livros, com Machado de Assis na capa. Imediatamente lembrei – ainda com o sonho fresco na memória – que antes de adormecer estivera lendo uma entrevista de David Toscana, autor mexicano conhecido por sua "literatura desquiciada", isto é, literatura desvairada, fruto da influência quixotesca em sua obra.
Toscana explica, na entrevista, que tem uma especial admiração por essa obra e que, em sua própria, defende uma luta pela imaginação, uma não-escravidão às convenções, ao que se costuma chamar realidade. Vai além, ao defender uma quixotização do mundo. Quer dizer, nenhum estudante universitário receberia o diploma sem ler Dom Quixote, nenhum político tomaria posse se não comprovasse conhecimento sobre a obra e assim por diante.
Quinta-feira, fim de tarde. Eu estivera trabalhando desde a manhã, e ao chegar cansado me deitei e comecei a ler. O sono me venceu. Ao acordar pro lado de dentro, acho que o cansaço, o calor abafado que tem feito nessa terra e a quixotização de Toscana, tudo isso se misturou no caldeirão da minha cachola resultando nos tais sonhos dançantes. Os sonhos, dentro do meu sonho, eram uma brincadeira estrutural, a metalinguagem dançando pra mim, um trocadilho visual e provocante. Era, enfim, a quixotização em sua plenitude.
Obrigado, Quixote. Obrigado, Toscana. Enfrentemos os dragões e os gigantes! Nos libertemos do jugo da razão e viajemos sem bússolas pelos mares da imaginação. Dancemos no silêncio e choremos no carnaval, sempre em nome das causas perdidas e daquilo que os homens sérios chamam non-sense. Queimemos os mapas e façamos a caminhada ao sabor do Destino, sem destino.
Sejamos ilhas de loucura no grande mar da razão, mas estejamos sempre num processo expansivo, a ponto de fazer a razão duvidar de si própria. Sim, plantemos a semente do caos na patética e opressora ordem. Vamos abolir o ponto final e rechear os parques, os livros, os quadros, as paredes e as mentes com pontos de interrogação.
E você, o que acha disso?
Seria essa a mesma faísca que o camundongo Mickey (na animação Fantasia, quando indevidamente pegou o aparato mágico de seu mestre) jogou sobre as vassouras, dando-lhes vida e a incumbência de carregar água para ele? Não sei, sinceramente não sei. Mas sei que lá estavam os pãezinhos, com seu recheio de doce de leite, e lá estava a canção, a embalar sua graciosa dança.
Foi então que eu despertei, com a baba entre a boca e o travesseiro. Coisa curiosa! – pensei – e comecei a rir sem parar. Quinta-feira, fim de tarde; ao meu lado, na cama, a revista Entre Livros, com Machado de Assis na capa. Imediatamente lembrei – ainda com o sonho fresco na memória – que antes de adormecer estivera lendo uma entrevista de David Toscana, autor mexicano conhecido por sua "literatura desquiciada", isto é, literatura desvairada, fruto da influência quixotesca em sua obra.
Toscana explica, na entrevista, que tem uma especial admiração por essa obra e que, em sua própria, defende uma luta pela imaginação, uma não-escravidão às convenções, ao que se costuma chamar realidade. Vai além, ao defender uma quixotização do mundo. Quer dizer, nenhum estudante universitário receberia o diploma sem ler Dom Quixote, nenhum político tomaria posse se não comprovasse conhecimento sobre a obra e assim por diante.
Quinta-feira, fim de tarde. Eu estivera trabalhando desde a manhã, e ao chegar cansado me deitei e comecei a ler. O sono me venceu. Ao acordar pro lado de dentro, acho que o cansaço, o calor abafado que tem feito nessa terra e a quixotização de Toscana, tudo isso se misturou no caldeirão da minha cachola resultando nos tais sonhos dançantes. Os sonhos, dentro do meu sonho, eram uma brincadeira estrutural, a metalinguagem dançando pra mim, um trocadilho visual e provocante. Era, enfim, a quixotização em sua plenitude.
Obrigado, Quixote. Obrigado, Toscana. Enfrentemos os dragões e os gigantes! Nos libertemos do jugo da razão e viajemos sem bússolas pelos mares da imaginação. Dancemos no silêncio e choremos no carnaval, sempre em nome das causas perdidas e daquilo que os homens sérios chamam non-sense. Queimemos os mapas e façamos a caminhada ao sabor do Destino, sem destino.
Sejamos ilhas de loucura no grande mar da razão, mas estejamos sempre num processo expansivo, a ponto de fazer a razão duvidar de si própria. Sim, plantemos a semente do caos na patética e opressora ordem. Vamos abolir o ponto final e rechear os parques, os livros, os quadros, as paredes e as mentes com pontos de interrogação.
E você, o que acha disso?
domingo, 7 de outubro de 2007
O sentido da vida
O mineiro estivera meio pensativo por vários dias. Perguntas sérias, relacionadas a esta existência e o sentido da vida, adentravam sua alma como uma boiada logo após o abrir da porteira do curral. Ele decidiu então subir a Montanha dos Quatro Elementos, essa que é a maior obra de arte da natureza.
A Montanha dos Quatro Elementos tem incontáveis quilômetros de altura e tem esse nome porque apresenta uma singular configuração dos quatro elementos básicos: há um belo lago de águas transparinas (transparentes e cristalinas); um pequeno vulcão adormecido dá um charme especial ao ambiente; a própria montanha representa a terra; e o vento sopra incessantemente emitindo um som que parece uma voz – a voz da natureza, dizem. Por tudo isso, acredita-se que quem chegar à parte mais alta e lá meditar será capaz de encontrar todas as respostas.
Claro que a Montanha dos Quatro Elementos, não obstante suas impressionantes dimensões e suas propriedades únicas, não está no mapa e não é do conhecimento do grande público. Ora, semelhante preciosidade causaria o interesse de muita gente inescrupulosa.
Imagine só, caro leitor. Num dia as manchetes dos jornais pelo mundo afora anunciam a descoberta da “irmã mais velha do Everest”, no dia seguinte especula-se que haja armas de destruição em massa e um grupo de guerrilheiros, e no terceiro lá está o tio Sam usufruindo nossas riquezas naturais, sempre em nome da Democracia. O mineiro, povo que sabidamente come quieto, tem conseguido preservar esse segredo como tal. E se a sombra da dúvida ainda pairar sobre sua cabeça, caro leitor, saiba que o fato de você nunca ter ouvido nada a respeito é justamente o que prova a veracidade de minhas palavras.
Mas chega de digressões. Tive que escapar ao tema principal para preencher uma lacuna. O mineiro decidiu então subir a Montanha dos Quatro Elementos. Preparou uma boa provisão de pão de queijo e café e começou a longa subida. Dura e desgastante foi sua jornada. À medida que ia subindo, mais e mais cortante se tornava o sopro gelado em sua face, e a necessidade de oxigênio crescia à mesma proporção que diminuía sua presença nos pulmões.
Muito mais que um mero par de hobbits subindo uma montanha comum com o vulgar intuito de levar um anel qualquer a certo lugar, lá estava o mineiro, reunindo todas as forças de seu corpo e sua alma em busca do sentido da vida. Depois de intermináveis dias, ao ponto de ele próprio não saber mais quantos, o mineiro finalmente chegou ao topo da Montanha. O vento soprava mais violentamente do que nunca, e as nuvens lá embaixo se movimentavam freneticamente. Acima, apenas o infinito azul e o intenso amarelo. O mineiro, ciente da grandiosidade da situação, multiplica suas forças e grita, a plenos pulmões: Quem cô sô? On cô tô? Djon cô vim? Pron cô vô?
Por um longo tempo, essas palavras ficaram voando acima das águias. Nenhum sinal de resposta. O mineiro chegara ao topo do mundo e nem sinal de resposta. Aos poucos a esperança foi minguando em seu coração; o fogo que o impulsionara até ali ia se extinguindo. Quando os anseios da alma não são atendidos, é então que o corpo fala mais alto. Ele sentiu uma imensa fome; pegou alguns pães de queijo e encheu uma xícara de café. Depois, tomado por enorme cansaço, deitou-se e fechou os olhos, já esquecido de sua missão.
Foi então que algo surpreendente aconteceu: de olhos fechados, no limite entre o lado de fora e o lado de dentro, foi então que o mineiro percebeu o sentido da vida. Para sua grande surpresa, ele descobriu que para ver o sentido da vida, é preciso fechar os olhos. A resposta esteve consigo o tempo todo, dispersa no silêncio. Muito feliz e realizado, o mineiro pegou mais alguns pães de queijo e encheu mais uma xícara de café. Ele tinha um longo caminho de volta.
A Montanha dos Quatro Elementos tem incontáveis quilômetros de altura e tem esse nome porque apresenta uma singular configuração dos quatro elementos básicos: há um belo lago de águas transparinas (transparentes e cristalinas); um pequeno vulcão adormecido dá um charme especial ao ambiente; a própria montanha representa a terra; e o vento sopra incessantemente emitindo um som que parece uma voz – a voz da natureza, dizem. Por tudo isso, acredita-se que quem chegar à parte mais alta e lá meditar será capaz de encontrar todas as respostas.
Claro que a Montanha dos Quatro Elementos, não obstante suas impressionantes dimensões e suas propriedades únicas, não está no mapa e não é do conhecimento do grande público. Ora, semelhante preciosidade causaria o interesse de muita gente inescrupulosa.
Imagine só, caro leitor. Num dia as manchetes dos jornais pelo mundo afora anunciam a descoberta da “irmã mais velha do Everest”, no dia seguinte especula-se que haja armas de destruição em massa e um grupo de guerrilheiros, e no terceiro lá está o tio Sam usufruindo nossas riquezas naturais, sempre em nome da Democracia. O mineiro, povo que sabidamente come quieto, tem conseguido preservar esse segredo como tal. E se a sombra da dúvida ainda pairar sobre sua cabeça, caro leitor, saiba que o fato de você nunca ter ouvido nada a respeito é justamente o que prova a veracidade de minhas palavras.
Mas chega de digressões. Tive que escapar ao tema principal para preencher uma lacuna. O mineiro decidiu então subir a Montanha dos Quatro Elementos. Preparou uma boa provisão de pão de queijo e café e começou a longa subida. Dura e desgastante foi sua jornada. À medida que ia subindo, mais e mais cortante se tornava o sopro gelado em sua face, e a necessidade de oxigênio crescia à mesma proporção que diminuía sua presença nos pulmões.
Muito mais que um mero par de hobbits subindo uma montanha comum com o vulgar intuito de levar um anel qualquer a certo lugar, lá estava o mineiro, reunindo todas as forças de seu corpo e sua alma em busca do sentido da vida. Depois de intermináveis dias, ao ponto de ele próprio não saber mais quantos, o mineiro finalmente chegou ao topo da Montanha. O vento soprava mais violentamente do que nunca, e as nuvens lá embaixo se movimentavam freneticamente. Acima, apenas o infinito azul e o intenso amarelo. O mineiro, ciente da grandiosidade da situação, multiplica suas forças e grita, a plenos pulmões: Quem cô sô? On cô tô? Djon cô vim? Pron cô vô?
Por um longo tempo, essas palavras ficaram voando acima das águias. Nenhum sinal de resposta. O mineiro chegara ao topo do mundo e nem sinal de resposta. Aos poucos a esperança foi minguando em seu coração; o fogo que o impulsionara até ali ia se extinguindo. Quando os anseios da alma não são atendidos, é então que o corpo fala mais alto. Ele sentiu uma imensa fome; pegou alguns pães de queijo e encheu uma xícara de café. Depois, tomado por enorme cansaço, deitou-se e fechou os olhos, já esquecido de sua missão.
Foi então que algo surpreendente aconteceu: de olhos fechados, no limite entre o lado de fora e o lado de dentro, foi então que o mineiro percebeu o sentido da vida. Para sua grande surpresa, ele descobriu que para ver o sentido da vida, é preciso fechar os olhos. A resposta esteve consigo o tempo todo, dispersa no silêncio. Muito feliz e realizado, o mineiro pegou mais alguns pães de queijo e encheu mais uma xícara de café. Ele tinha um longo caminho de volta.
domingo, 30 de setembro de 2007
Diário de um prisioneiro (30-09-07)
George Bush e sua gangue continuam arrotando asneiras, cuspindo bombas e flatulando armas químicas; o Brasil perdeu hoje de manhã pra Alemanha, por 2 a 0, na final da Copa Feminina; as pizzarias de Brasília (Pizzaria da Educação, Pizzaria da Fazenda etc.) continuam a toda lenha, com a sua fornalha consumindo a impunidade e a ignorância, sempre em nome da desordem e do regresso... e eu também não ando lá muito bem das pernas.
Nos últimos dias fui mantido em cárcere privado no meu quarto, refém do meu próprio corpo. O que me resta então? Restam algumas idéias na cabeça, dedos coçando e tela em branco. Antes que a situação fique crônica, por que não aproveitar o trocadilho gênero-textual e escrever um pouco, fazer uma pequena metalinguagem e terminar as preliminares? Vamos à introdução... do tema, claro. Ontem terminei de jogar Okami, um RPG-Ação do meu velho parceiro PS2.
Que jogo incrível! O clima místico e mitológico – ou religioso, depende do ponto de vista – flui de modo muito agradável em todos os aspectos, dos deslumbrantes visuais às músicas deliciosas, do enredo inteligente e bem amarrado ao sistema de batalha inovador e repleto de recursos. Okami é uma viagem a um mundo encantado, fantástico, onde os deuses do Xintoísmo se unem na eterna luta do Bem contra o Mal.
Num Japão medieval e mágico, com criaturas da escuridão brotando nos campos, infestando cavernas, horrorizando vilas em seu vil intento de dominar a tudo e a todos, a protagonista da aventura é Amaterasu, a deusa do Sol, que neste mundo assume a forma de uma loba. Não, não, ela não é uma tiazinha de meia idade redescobrindo seu sex appeal; a deusa do Sol se transfigura sem metáforas para enfrentar o temível Orochi, espécie de dragão de oito cabeças, e sua corja de polític... digo, de monstros vis e sanguinários.
Pelos elementos fantásticos, o enredo complexo e simbólico, bem como a profundidade psicológica dos personagens e um humor afiado, capaz de promover maravilhosas quebras ao longo do enredo geralmente “sério”, por tudo isso Okami se assemelha às obras do genial Miyakazi, como A Viagem de Chihiro e O Castelo Animado. No mundo dos games, me parece que a melhor comparação é com The Legend of Zelda, do não menos genial Shigeru Miyamoto.
Mas essas comparações não devem deixar Okami na penumbra, pois o jogo tem seus próprios méritos, certamente merece muitos holofotes. Se mencionei Miyazaki e Miyamoto, é porque me encanta a capacidade desse povo do sol nascente pra fazer cultura de apuradíssimo gosto. Isso sem falar nas japonesas. Ai, as japonesas... (suspiro apaixonado).
Falando nessas incríveis criaturas de saias, que me alteram a respiração, os batimentos cardíacos e o humor, assisti hoje de manhã a derrota da seleção feminina de futebol do Brasil diante da Alemanha, e gostaria de bater uma bolinha sobre esse assunto. A defesa alemã é realmente sólida, quase impenetrável, tanto que não sofreu nenhum gol ao longo da Copa. Além disso, as jogadoras germânicas demonstraram muito mais sangue frio e organização tática.
O futebol feminino da Alemanha e do Brasil se parece bastante com o masculino, pelo que eu vi hoje. No lado de lá, uma consciência tática invejável, um incrível senso de equipe, um jogo meio mecânico e frio, um contra-ataque preciso que não perdoa a ineficiência alheia. “Uma coisa parecida com futebol e que dá resultado”, como diz o folclórico Galvão Bueno, num dos seus raros e breves lampejos de sanidade.
No lado de cá, deficiência na defesa e valores individuais raros no ataque, principalmente a Marta, camisa 10, a nossa Ronaldinha Gaúcha capaz de desequilibrar qualquer partida. O problema é que quando se tem apenas isso, apenas valores individuais, fica mais fácil a equipe ir mal por causa de um resfriado, um desarranjo intestinal ou uma tpm, esse novo elemento que agora faz parte do universo futebolístico.
O Brasil foi mal no ataque, a Marta perdeu pênalti... em uma palavra, enquanto as brasileiras nitidamente esquentavam a cabeça com o passar dos minutos, as alemãs se mantinham confortavelmente em seu zero grau centígrado. Foi uma vitória merecida, mas não há por que baixar a cabeça no lado de cá. Afinal, Brasil e Alemanha foi uma guerra desigual se considerarmos que o futebol feminino tem muito mais apoio em países como EUA, Noruega e a própria Alemanha.
A medalha de prata no peito é uma conquista louvável, um belo exemplo de superação. Vamos ver se agora a CBF organiza um campeonato e dá o devido suporte ao futebol feminino.
De volta às incursões lúdico-verbais, foi muito agradável brincar com a língua em sua companhia imaginária, caro leitor, mas já é fim de tarde e isso representa uma sucessão não muito animadora de fatos. A noite traz a Lua, que traz a meia-noite, que traz a segunda-feira, que traz os berros insuportáveis do despertador; essa criatura sádica me leva de volta ao mundo real, com provas pra corrigir, lindos anjinhos da quinta série pra separar um do pescoço do outro, minha viola com suas curvas provocantes e sua voz insinuante sempre me seduzindo... que venha a semana.
Até logo, Chihiro, Hauru e Link. Boa noite, Amaterasu. Pedala, Marta! Vá pro George Bush que o carregue, Orochi! Boa semana, caro leitor.
Nos últimos dias fui mantido em cárcere privado no meu quarto, refém do meu próprio corpo. O que me resta então? Restam algumas idéias na cabeça, dedos coçando e tela em branco. Antes que a situação fique crônica, por que não aproveitar o trocadilho gênero-textual e escrever um pouco, fazer uma pequena metalinguagem e terminar as preliminares? Vamos à introdução... do tema, claro. Ontem terminei de jogar Okami, um RPG-Ação do meu velho parceiro PS2.
Que jogo incrível! O clima místico e mitológico – ou religioso, depende do ponto de vista – flui de modo muito agradável em todos os aspectos, dos deslumbrantes visuais às músicas deliciosas, do enredo inteligente e bem amarrado ao sistema de batalha inovador e repleto de recursos. Okami é uma viagem a um mundo encantado, fantástico, onde os deuses do Xintoísmo se unem na eterna luta do Bem contra o Mal.
Num Japão medieval e mágico, com criaturas da escuridão brotando nos campos, infestando cavernas, horrorizando vilas em seu vil intento de dominar a tudo e a todos, a protagonista da aventura é Amaterasu, a deusa do Sol, que neste mundo assume a forma de uma loba. Não, não, ela não é uma tiazinha de meia idade redescobrindo seu sex appeal; a deusa do Sol se transfigura sem metáforas para enfrentar o temível Orochi, espécie de dragão de oito cabeças, e sua corja de polític... digo, de monstros vis e sanguinários.
Pelos elementos fantásticos, o enredo complexo e simbólico, bem como a profundidade psicológica dos personagens e um humor afiado, capaz de promover maravilhosas quebras ao longo do enredo geralmente “sério”, por tudo isso Okami se assemelha às obras do genial Miyakazi, como A Viagem de Chihiro e O Castelo Animado. No mundo dos games, me parece que a melhor comparação é com The Legend of Zelda, do não menos genial Shigeru Miyamoto.
Mas essas comparações não devem deixar Okami na penumbra, pois o jogo tem seus próprios méritos, certamente merece muitos holofotes. Se mencionei Miyazaki e Miyamoto, é porque me encanta a capacidade desse povo do sol nascente pra fazer cultura de apuradíssimo gosto. Isso sem falar nas japonesas. Ai, as japonesas... (suspiro apaixonado).
Falando nessas incríveis criaturas de saias, que me alteram a respiração, os batimentos cardíacos e o humor, assisti hoje de manhã a derrota da seleção feminina de futebol do Brasil diante da Alemanha, e gostaria de bater uma bolinha sobre esse assunto. A defesa alemã é realmente sólida, quase impenetrável, tanto que não sofreu nenhum gol ao longo da Copa. Além disso, as jogadoras germânicas demonstraram muito mais sangue frio e organização tática.
O futebol feminino da Alemanha e do Brasil se parece bastante com o masculino, pelo que eu vi hoje. No lado de lá, uma consciência tática invejável, um incrível senso de equipe, um jogo meio mecânico e frio, um contra-ataque preciso que não perdoa a ineficiência alheia. “Uma coisa parecida com futebol e que dá resultado”, como diz o folclórico Galvão Bueno, num dos seus raros e breves lampejos de sanidade.
No lado de cá, deficiência na defesa e valores individuais raros no ataque, principalmente a Marta, camisa 10, a nossa Ronaldinha Gaúcha capaz de desequilibrar qualquer partida. O problema é que quando se tem apenas isso, apenas valores individuais, fica mais fácil a equipe ir mal por causa de um resfriado, um desarranjo intestinal ou uma tpm, esse novo elemento que agora faz parte do universo futebolístico.
O Brasil foi mal no ataque, a Marta perdeu pênalti... em uma palavra, enquanto as brasileiras nitidamente esquentavam a cabeça com o passar dos minutos, as alemãs se mantinham confortavelmente em seu zero grau centígrado. Foi uma vitória merecida, mas não há por que baixar a cabeça no lado de cá. Afinal, Brasil e Alemanha foi uma guerra desigual se considerarmos que o futebol feminino tem muito mais apoio em países como EUA, Noruega e a própria Alemanha.
A medalha de prata no peito é uma conquista louvável, um belo exemplo de superação. Vamos ver se agora a CBF organiza um campeonato e dá o devido suporte ao futebol feminino.
De volta às incursões lúdico-verbais, foi muito agradável brincar com a língua em sua companhia imaginária, caro leitor, mas já é fim de tarde e isso representa uma sucessão não muito animadora de fatos. A noite traz a Lua, que traz a meia-noite, que traz a segunda-feira, que traz os berros insuportáveis do despertador; essa criatura sádica me leva de volta ao mundo real, com provas pra corrigir, lindos anjinhos da quinta série pra separar um do pescoço do outro, minha viola com suas curvas provocantes e sua voz insinuante sempre me seduzindo... que venha a semana.
Até logo, Chihiro, Hauru e Link. Boa noite, Amaterasu. Pedala, Marta! Vá pro George Bush que o carregue, Orochi! Boa semana, caro leitor.
domingo, 9 de setembro de 2007
In-sanidade
Tortuosas ramificações aéreas
Se nutrem da incessante sinestesia
Que flui, flui...
Eis que se abrem as cortinas da percepção
Revelando o infinito horizonte
Bela é a estrada de sete cores
Sob pés saltitantes, levitantes
Imaginação alada,
Aventura imaculada,
Suave brisa na face
No fim a fonte cristalina
Sagradas gotas saciam a alma
Infinita sede de inspiração,
Infinitas gotas de inspiração
Fumaça de idéias...
Aspiração
In-spiração
Pira-ação:
O fogo que age
O fogo-íris percorre as veias
Alimentando os sete sentidos...
Trans-piração Ex-piração:
O fogo se dissipa,
Um grande clarão inunda os olhos
E então Íris se transfigura
Fios de ébano
Parecem buscar o chão
Pele de leite,
Olhos de jabuticaba,
Lábios de pêssego
Íris então se aproxima
E suavemente sussurra ao meu ouvido
Palavras de mel e alecrim
Ó, fonte de toda inspiração,
Ó, Íris, amada e musa,
Me usa,
Me abusa,
Me lambusa
Da quase-matéria de que és feita
Tu, que és feita,
Refeita,
Perfeita,
Me abraça,
Me enlaça
Na espiral espaço-tempo
É de bom grado
Que viajo contigo
É de bom grado
Que te recebo.
Se nutrem da incessante sinestesia
Que flui, flui...
Eis que se abrem as cortinas da percepção
Revelando o infinito horizonte
Bela é a estrada de sete cores
Sob pés saltitantes, levitantes
Imaginação alada,
Aventura imaculada,
Suave brisa na face
No fim a fonte cristalina
Sagradas gotas saciam a alma
Infinita sede de inspiração,
Infinitas gotas de inspiração
Fumaça de idéias...
Aspiração
In-spiração
Pira-ação:
O fogo que age
O fogo-íris percorre as veias
Alimentando os sete sentidos...
Trans-piração Ex-piração:
O fogo se dissipa,
Um grande clarão inunda os olhos
E então Íris se transfigura
Fios de ébano
Parecem buscar o chão
Pele de leite,
Olhos de jabuticaba,
Lábios de pêssego
Íris então se aproxima
E suavemente sussurra ao meu ouvido
Palavras de mel e alecrim
Ó, fonte de toda inspiração,
Ó, Íris, amada e musa,
Me usa,
Me abusa,
Me lambusa
Da quase-matéria de que és feita
Tu, que és feita,
Refeita,
Perfeita,
Me abraça,
Me enlaça
Na espiral espaço-tempo
É de bom grado
Que viajo contigo
É de bom grado
Que te recebo.
terça-feira, 14 de agosto de 2007
Carpe Diem 2
Ouço o sutil som que sopra...
Assobio de sabiá sobre a sacada...
Sempre sempre... sábio e sagaz...
Ouço o sopro que não cessa...
É a vida que convida
A todos os seres cantantes
A todos a serem contentes
A todos que aí estão, com vida
À saborosa ceia de sabores sortidos
Sim... ouço o chamado de tudo
Em qualquer lugar, a todo segundo
Um acontecimento agradável pode brotar
O amor pode se esgueirar
No emaranhado das folhas das árvores
E assim ser inalado pelos meus olhos
Um abraço amigo pode aquecer meu coração
Um desejo já maduro vem ao chão
Trazendo em si a semente das possibilidades
Minhas raízes se ramificam por mil mundos
Que sin-cro-ni-za-da-men-te se sucedem
O segundo é de primeira importância
Sei que só a mudança permanece
’Stou sujeito sempre gerundiando...
E o sabiá na sacada insiste em assobiar
Residente resoluto e repetitivo do relógio
Sim... eu posso vê-lo
Sim... eu posso ouvi-lo
Ouço o sutil som que sopra...
Sempre sempre... sábio e sagaz...
Sibilante sopro que não cessa...
Suavemente subindo ao céu...
domingo, 27 de maio de 2007
Inventando continentes
Lá em cima o sol e as estrelas em seu movimento repetido, constante e involuntário. Cá em baixo as pessoas em seu movimento. Tudo indicava ser um dia normal, mas algo inusitado aconteceu. – Olá! Sou vendedora. - disse a mulher de meia idade mostrando o crachá bonito que confirmava o que ela dissera. E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, continuou - Quero lhe oferecer um par de óculos, mas não de um tipo qualquer. São absolutamente especiais. A idéia de que aquele meu agradável momento contemplativo seria quebrado por uma ladainha tecnológica se dissolveu em pleno processo de surgimento.
A natureza especial dos óculos estava, segundo a vendedora, no fato de eles possibilitarem a incrível habilidade de ver o que até então estava oculto. – Como assim? - com um tom de voz que não tentava disfarçar a incredulidade. – Meu caro, o essencial é invisível aos olhos. Você não sabia? Tome, experimente. – Não vejo nada diferente... – Sei... aposto que você não tinha visto aquelas flores ali atrás. Ora, eu sabia muito bem que não havia nenhuma flor atrás de mim. Ao fazer meu itinerário normal, como qualquer outro dia, lá estava o banquinho onde gosto de me sentar e a árvore que me oferece sua sombra, lá estavam as pernas apressadas que passam pra lá e pra cá num musical antigo, em linha de montagem, e lá estava o asfalto, quente e previsível atrás de mim, sem qualquer flor.
Mas de algum modo, por algum motivo, o olhar daquela mulher emitia uma confiança que me impulsionou a olhar pra trás. – Ué, como elas vieram parar aqui? Eu com cara de bobo e ela com um sorrisinho dúbio. – Por um breve instante, ao se virar, você acreditou que veria as flores. Isso te assusta, não é? Você está acostumado a descobrir as coisas, a perceber a verdade que está lá fora. Nunca lhe ocorreu que talvez a verdade não esteja tão longe? – Mas isso é loucura! – Se você acreditar nisso... Veja, você está habituado a repetir perguntas que ecoam através de você, e descobre muito objetivamente a resposta no Grande Livro da Razão. Mas você pode, se quiser, inventar suas próprias perguntas e criar as respostas.
Há uma história que considero muito interessante... Dizem que os nativos da atual América, no momento da chegada dos europeus, não perceberam imediatamente seus navios no oceano. Eles nunca tinham visto algo assim, e ao olhar o horizonte azul, lá estavam o mar e o céu, como sempre, e nada mais. Usando as suas palavras, seria muita loucura ver aqueles enormes objetos de madeira deslizando suavemente sobre as águas, sem afundar. E por outro lado, dizem que até então não havia aquele continente ali. O que havia é o mar, cheio de criaturas monstruosas, e no fim o abismo. Mas algumas pessoas loucas acreditavam que talvez houvesse outras terras, talvez não houvesse o enorme abismo...
As pessoas querem muito ser razoáveis, objetivas e racionais. Mas não tem que ser assim. Apenas pode ser. Aquelas palavras eram realmente estranhas, e nada me impedia de dizer isso à mulher. Nada me impedia de levantar e ir embora com um sorriso sarcástico nos lábios. Nada me impedia de fazer isso, a não ser meu desejo de ouvir aquelas palavras que, estranhamente, faziam sentido. – Você pode inventar que faz bem a uma pessoa e ela a você, que ao se encontrarem são tomados ambos de algo especial e agradável. Esse sentimento que surge entre os dois inunda as almas, transforma o ambiente e se espalha em ondas para o mundo, o tempo, a vida, o universo todo. Terá inventado, assim, o amor. Você pode até mesmo inventar continentes, meu caro. O mundo depende de como você olha.
Mas a escolha é sua; não posso te forçar. Houve então um silêncio que me interpelava, pedia que me manifestasse. Depois de um longo tempo, em que fiquei pensativo, a mulher pacientemente esperou que eu dissesse algo. – Mas quanto custam esses óculos? – Você tem que depositar sua fé, apenas. Achei engraçada a palavra “depositar” naquele contexto. Dei uma risada tímida. – Mas você disse que é uma vendedora... Agora o breve sorriso veio dela. – Ora, se eu lhe dissesse que sou uma doadora de óculos, você nem me daria atenção, certo? E aposto que olharia pra trás e diria “Que louca!”. Afinal, você nunca viu isso... – É verdade! - e agora minha risada veio forte e espontânea - Eu aceito os óculos. Muito obrigado... qual é o seu nome? – Nossa, tenho vários! Há pouco você me chamou de loucura... Agora devo ir, mas antes eu gostaria de uma dessas flores. Pega uma pra mim? Quando me virei pra lhe entregar a flor, ela tinha sumido. Fiquei um longo tempo parado, com o olhar disperso, tentando entender aquilo tudo.
De algum modo, me sentia diferente. Olhava minhas mãos, falava baixinho pra ouvir minha voz, sentia a luz que atravessava os vãos da árvore e chegavam até mim, olhava o asfalto, as montanhas, o céu... fazia tudo isso como se fosse pela primeira vez, como se tudo tivesse surgido agora, ou como se eu tivesse surgido agora, ou talvez como se tudo - as folhas, o chão e o céu, e até mesmo eu - fôssemos uma só coisa. Ao olhar um muro, um daqueles em frente dos quais passo todos os dias, vi que algo estava escrito. Poucos minutos atrás, ele estivera em branco, mas isso não me incomodou. Lá estavam as palavras: E não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez. Uma intensa e repentina crise de riso se apossou de mim.
Caminhando pela rua, as pessoas - ainda havia pessoas - me olhavam com um ar desconfiado. Aos seus olhos, certamente eu parecia um louco.
A natureza especial dos óculos estava, segundo a vendedora, no fato de eles possibilitarem a incrível habilidade de ver o que até então estava oculto. – Como assim? - com um tom de voz que não tentava disfarçar a incredulidade. – Meu caro, o essencial é invisível aos olhos. Você não sabia? Tome, experimente. – Não vejo nada diferente... – Sei... aposto que você não tinha visto aquelas flores ali atrás. Ora, eu sabia muito bem que não havia nenhuma flor atrás de mim. Ao fazer meu itinerário normal, como qualquer outro dia, lá estava o banquinho onde gosto de me sentar e a árvore que me oferece sua sombra, lá estavam as pernas apressadas que passam pra lá e pra cá num musical antigo, em linha de montagem, e lá estava o asfalto, quente e previsível atrás de mim, sem qualquer flor.
Mas de algum modo, por algum motivo, o olhar daquela mulher emitia uma confiança que me impulsionou a olhar pra trás. – Ué, como elas vieram parar aqui? Eu com cara de bobo e ela com um sorrisinho dúbio. – Por um breve instante, ao se virar, você acreditou que veria as flores. Isso te assusta, não é? Você está acostumado a descobrir as coisas, a perceber a verdade que está lá fora. Nunca lhe ocorreu que talvez a verdade não esteja tão longe? – Mas isso é loucura! – Se você acreditar nisso... Veja, você está habituado a repetir perguntas que ecoam através de você, e descobre muito objetivamente a resposta no Grande Livro da Razão. Mas você pode, se quiser, inventar suas próprias perguntas e criar as respostas.
Há uma história que considero muito interessante... Dizem que os nativos da atual América, no momento da chegada dos europeus, não perceberam imediatamente seus navios no oceano. Eles nunca tinham visto algo assim, e ao olhar o horizonte azul, lá estavam o mar e o céu, como sempre, e nada mais. Usando as suas palavras, seria muita loucura ver aqueles enormes objetos de madeira deslizando suavemente sobre as águas, sem afundar. E por outro lado, dizem que até então não havia aquele continente ali. O que havia é o mar, cheio de criaturas monstruosas, e no fim o abismo. Mas algumas pessoas loucas acreditavam que talvez houvesse outras terras, talvez não houvesse o enorme abismo...
As pessoas querem muito ser razoáveis, objetivas e racionais. Mas não tem que ser assim. Apenas pode ser. Aquelas palavras eram realmente estranhas, e nada me impedia de dizer isso à mulher. Nada me impedia de levantar e ir embora com um sorriso sarcástico nos lábios. Nada me impedia de fazer isso, a não ser meu desejo de ouvir aquelas palavras que, estranhamente, faziam sentido. – Você pode inventar que faz bem a uma pessoa e ela a você, que ao se encontrarem são tomados ambos de algo especial e agradável. Esse sentimento que surge entre os dois inunda as almas, transforma o ambiente e se espalha em ondas para o mundo, o tempo, a vida, o universo todo. Terá inventado, assim, o amor. Você pode até mesmo inventar continentes, meu caro. O mundo depende de como você olha.
Mas a escolha é sua; não posso te forçar. Houve então um silêncio que me interpelava, pedia que me manifestasse. Depois de um longo tempo, em que fiquei pensativo, a mulher pacientemente esperou que eu dissesse algo. – Mas quanto custam esses óculos? – Você tem que depositar sua fé, apenas. Achei engraçada a palavra “depositar” naquele contexto. Dei uma risada tímida. – Mas você disse que é uma vendedora... Agora o breve sorriso veio dela. – Ora, se eu lhe dissesse que sou uma doadora de óculos, você nem me daria atenção, certo? E aposto que olharia pra trás e diria “Que louca!”. Afinal, você nunca viu isso... – É verdade! - e agora minha risada veio forte e espontânea - Eu aceito os óculos. Muito obrigado... qual é o seu nome? – Nossa, tenho vários! Há pouco você me chamou de loucura... Agora devo ir, mas antes eu gostaria de uma dessas flores. Pega uma pra mim? Quando me virei pra lhe entregar a flor, ela tinha sumido. Fiquei um longo tempo parado, com o olhar disperso, tentando entender aquilo tudo.
De algum modo, me sentia diferente. Olhava minhas mãos, falava baixinho pra ouvir minha voz, sentia a luz que atravessava os vãos da árvore e chegavam até mim, olhava o asfalto, as montanhas, o céu... fazia tudo isso como se fosse pela primeira vez, como se tudo tivesse surgido agora, ou como se eu tivesse surgido agora, ou talvez como se tudo - as folhas, o chão e o céu, e até mesmo eu - fôssemos uma só coisa. Ao olhar um muro, um daqueles em frente dos quais passo todos os dias, vi que algo estava escrito. Poucos minutos atrás, ele estivera em branco, mas isso não me incomodou. Lá estavam as palavras: E não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez. Uma intensa e repentina crise de riso se apossou de mim.
Caminhando pela rua, as pessoas - ainda havia pessoas - me olhavam com um ar desconfiado. Aos seus olhos, certamente eu parecia um louco.
segunda-feira, 14 de maio de 2007
Coração de Artista
Quero ser um artista
Fazer a incrível alquimia
De transformar a vida
Suas derrotas e conquistas
Em lirismo e poesia
Quero entrar na vida de alguém
Um dia ser a “nossa canção”
De um casal de apaixonados
Fazer bater no peito petrificado
A pedra pesada que se retorna coração
Quero fazer a fabulosa magia
De transformar água em vinho
Alcançar o estado de arte
Trilhar esse maravilhoso caminho
Por toda a vida, até a morte
“Qual Enzo, o artista? Conheço, claro
Que belo estilo, que modo raro
De falar dos sentimentos humanos
Com perspicácia e sinceridade
Eis um artista de verdade”
Quero ser um artista
Em metá-foras quero nadar
Meto-fora o sentido inicial
E ponho outro no lugar
Mais interessante e original
Sim, eu quero ser artista
Desses que fazem arte mesmo
Pegar em estado bruto e lapidar
Um acontecimento banal, a esmo
E com ele fazer rir e chorar
Mas o que é ser artista, ao certo?
Se tem a ver com sentir assim
E cada vez mais se entregar
Então eu vou chegando mais perto
De um dia me tornar
domingo, 6 de maio de 2007
Histórias de um All Star
Esse All Star velho de guerra
Tem muita história pra contar
Esse All Star cheio de terra
Nunca se cansa de pular
Lá vai ele, olha lá
No chão e no ar!
No chão e no ar!
Ele levanta poeira
Que se dissolve pelo ar
Ele pula a noite inteira
E nunca se cansa de pular
Certas coisas nesse mundo
E difícil acreditar
Olha que curioso esse All Star
Ele é um feito de dois
E parece mudo
Mas tem língua e sabe falar...
Toda vez que falta som
O inaudível nos salta aos ouvidos
É um salto na noite iluminada
As mãos, frenéticas, animadas
Dançam ao som do velho garoto
Que não pára de cantar
(Ele tem singer até no nome)
A atmosfera parece encantada
Olhos, ouvidos e corações
Têm sede, têm fome
E se alimentam das lindas canções
110... 120... 160...
Só pra ver até quando
O nosso corpo agüenta
O som que vem chegando
Tem sabor de menta
E se mistura à alegria intensa
Da multidão emocionada
Nessa terra de Engenheiros
Cercados por tantos mineiros
A juventude é uma banda
No alto das Montanhas Encantadas
Nem tão longe que eu não possa ver
Nem tão perto que eu possa tocar
Nem tão longe que eu não possa crer
Que eu também estive lá
E lá em cima, de mãos dadas
Pulando e cantando comigo
Meus parceiros, meus amigos
Nas curvas dessa infinita highway
Passageiros da mesma estrada.
domingo, 22 de abril de 2007
Eu sou as sombras
(a Lavoura Arcaica)
Não sou aquele que dá respostas
Sou aquele que faz perguntas
Não trago a luz
Afirmo a presença/iminência das trevas
Onde a ordem repousa pateticamente
Eu trago a semente fluida e violenta do caos
Diante da verdade enjaulada
Em compartimentos milenares empoeirados
Eu trago o sopro virulento das mudanças
Afinal, onde estão as provas?
Onde estão os fatos?
As boas novas
Eram só boatos(?)
sexta-feira, 6 de abril de 2007
A dança
Os dois se olham de frente
Olhares cortantes, penetrantes
Um infinito jogo de espelhos
O silêncio é quebrado, subitamente
O swing de pernas, incessante
O vai-vem dos quadris, constante
O estrondoso choque dos corpos suados
Tudo forma uma harmoniosa sinfonia
Os gigantes, exaustos e abraçados
Buscam um sopro vital
Pra continuar o ritual
O público grita em êxtase
Contagiado pelo calor do espetáculo
E assim segue a sessão de dor e prazer
Nos momentos mais duros
É passada sobre a pele
Uma substância viscosa
Que torna mais suave o contato
Fora das quatro paredes de cordas
A platéia grita, cada vez mais eufórica
Ela nunca se contenta
Por mais selvagem que seja a contenda
Mesmo que seja
Incrivelmente intensa a peleja
Lá dentro, de pé e concentrado, cada qual
Imagina como deixar o outro na horizontal
Assim prossegue a dança dos Titãs
Sob o olhar antropofágico de Baco
........................................................
Bem-vindo ao mundo viril do Boxe.
quinta-feira, 22 de março de 2007
Um dia mágico ao seu lado
(a uma raposa)
Nos encontramos às três em ponto
Uma praça belissimamente adornada
De flores multicoloridas e pessoas sorridentes
É o palco do nosso primeiro encontro
Cansados de andar, sentamos no banco
Um hipopótamo gigante voador faz um vôo rasante
Perto de nós. Você tem medo nesse instante
E eu dou risada, acho graça
Pego um punhado de flores e jogo pra cima
E cada uma delas se torna um balão
Você fica admirada, não compreende nada
“São os óculos cor-de-rosa da felicidade”, eu explico
Depois, de mãos dadas, vamos ao cinema
O filme mostra um casal de apaixonados
Que vê um filme sobre um casal de apaixonados
“Olha! Somos nós!”, você exclama
E novamente solto uma gargalhada
De volta à praça, você olha espantada
Para um bando de relógios no céu
“Ao seu lado, as horas voam”, comento
E agora, é você quem não se agüenta de risada
Mas chega a hora de ir embora
Damos um beijo e um abraço apertadíssimo
E dizemos “Ah, Deus...”
Tudo volta ao normal.
terça-feira, 20 de março de 2007
Dom Quixote na Ilha da Magia
(a Humberto Gessinger)
Sou o bravo e digno cavaleiro
Que vem das Montanhas Encantadas
E não encontrei pelas estradas
Nenhuma besta, bruxo ou guerreiro
Que me fosse real adversário
Nas Montanhas Encantadas, ao norte
Do queijo se faz o pão
E as pessoas têm a sorte
De uma tarde quente de verão
É verdade que a Ilha da Magia
Tem muitíssimos encantos
(Como aquela linda guria
Que eu conheci no outro dia)
Mas ultimamente, por todos os cantos
Surgem inimigos - terríveis e vários
Que querem ver-me ao chão
O feroz dragão do sopro gelado
Leva seu vento de gelo a todos os lados
E o bruxo que faz verter águas copiosas
Com o poder de sua mão
É um terrível e temível vilão
Essas criaturas, vis e maldosas
Enfrentam a mim, guerreiro solitário
Que mantenho a lança em riste
A gente medíocre me chama de otário
“Bruxos e dragões? Nada disso existe
O que há é chuva, frio e vento
Um guarda-chuva e um homem louco”
A gentalha não entende meu intento
Por amor às causas perdidas
Enfrento os inimigos com todo empenho
Com habilidade e bravura, pouco a pouco
Apesar de suas ferozes investidas
De pé e combativo me mantenho
E conquisto toda a glória
Encharcado com as águas da vitória.
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007
Mãe Nossa
(a Michel Foucault)
Mãe Nossa dos tentáculos onipresentes,
comprovada seja a Vossa eficiência,
venha a nós a Vossa transparente verdade,
aqui nas humanas, como nas Exatas,
os procedimentos metodológicos infalíveis de cada dia nos fornecei hoje,
perdoai nossos resquícios de humanidade e lirismo,
assim como nós perdoamos a quem nos tenta fazer enxergar verdades invisíveis,
não nos deixeis cair em estado de poesia,
mas livrai-nos de toda crença não-comprovável em laboratório.
Amém.
terça-feira, 30 de janeiro de 2007
Fazendo arte
Contra falta de dinheiro e problema do coração
Ouça Engenheiros e Legião
Se quebrou o aparelho de som
E você ficou chateadíssimo
Leia Drummond e Veríssimo
Sua namorada pirou de vez
E te mandou aprender japonês
(Nessa época do mês)?
Nada de divã:
Vá ouvir Djavan
Se seu cachorro levou um tiro
E foi hospitalizado
A Viagem de Chihiro
E O Castelo Animado
Perdeu seu periquito?
Vá ver um bom filme do Carlitos
Se tentou comprar amores em feiras de ilusão
E agora está decepcionado
Ouça Abaixo Assinado
Contra tristeza pela manhã
E dor na nuca
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
E Em Busca da Terra do Nunca
Se a vida anda meio mala
Vá ouvir o Bono
Não agüenta mais o horário eleitoral?
Sempre vai bem um Manu Chao
Seu filho caiu e ficou banguela?
Diga a ele que A Vida é Bela
Está gamado numas gueixas?
Ouça Raul Seixas
E se a paixão
Não é mais como era antes
Ouça uma bela canção
Do Guilherme Arantes
Para todos os males existe uma solução
Veja as crianças
Que estão sempre fazendo arte
E vivem felizes
O mundo sem arte
É realmente chato
O mundo com arte,
Além de ser redondo,
É muito mais interessante
(Abaixo Assinado é uma banda muito legal lá da minha cidade, nas Montanhas Encantadas)
segunda-feira, 15 de janeiro de 2007
Carpe Diem
Carpe-diem
Carpe-diem
Carpe-diem
Triiimmm!
Acorda pra vida, rapaz!
O vento sopra uma linda canção
Convidando a viver esse mundo
Afinal, por que não viver?
Se não há outro mundo...
As montanhas imponentes
Cheiram a encanto, infância, raízes
A pão de queijo e café com leite
Atrás delas, o sol se levanta
Abre a porta e a janela
E vem ver o sol nascer
Anunciando que onde ele reina
Existe luz e calor
E a vida dança numa melodia oscilante
Às vezes baladinha a dois
Às vezes Novos Bahianos
Às vezes violão e voz
Às vezes rock de cabelos revoltos
Às vezes sempre é muito bom!
O mundo é uma caixinha redonda de surpresas
A certeza da incerteza
A beleza que se esconde
Louca pra ser encontrada
Mas onde?
Da Ilha da Magia às Montanhas Encantadas
Dos Pampas a Sampa
Do bar da esquina ao Japão
O sol, a lua e as estrelas
O céu de brigadeiro e as nuvens de algodão
Convidam a um momento de loucura
Aventura, doçura
Lá fora e aqui dentro
O
Mundo
É
Enorme
E
E x p a n s i v o
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