quinta-feira, 18 de outubro de 2007

A dança dos pãezinhos: um elogio à loucura

Um punhado de sonhos numa grande bandeja cor de prata. De repente, uma faísca de vida: os pãezinhos recheados de doce de leite subitamente se levantam e começam a dançar. E não se trata de uma dança desgovernada, não são pãezinhos hard core; não, os sonhos dançam muito estilosa e sincronizadamente ao som de “Olha, isso aqui ta muito bom, isso aqui ta bom demaais... Olha, quem tá fora quer entrar, mas quem tá dentro não sai...”.

Seria essa a mesma faísca que o camundongo Mickey (na animação Fantasia, quando indevidamente pegou o aparato mágico de seu mestre) jogou sobre as vassouras, dando-lhes vida e a incumbência de carregar água para ele? Não sei, sinceramente não sei. Mas sei que lá estavam os pãezinhos, com seu recheio de doce de leite, e lá estava a canção, a embalar sua graciosa dança.

Foi então que eu despertei, com a baba entre a boca e o travesseiro. Coisa curiosa! – pensei – e comecei a rir sem parar. Quinta-feira, fim de tarde; ao meu lado, na cama, a revista Entre Livros, com Machado de Assis na capa. Imediatamente lembrei – ainda com o sonho fresco na memória – que antes de adormecer estivera lendo uma entrevista de David Toscana, autor mexicano conhecido por sua "literatura desquiciada", isto é, literatura desvairada, fruto da influência quixotesca em sua obra.

Toscana explica, na entrevista, que tem uma especial admiração por essa obra e que, em sua própria, defende uma luta pela imaginação, uma não-escravidão às convenções, ao que se costuma chamar realidade. Vai além, ao defender uma quixotização do mundo. Quer dizer, nenhum estudante universitário receberia o diploma sem ler Dom Quixote, nenhum político tomaria posse se não comprovasse conhecimento sobre a obra e assim por diante.

Quinta-feira, fim de tarde. Eu estivera trabalhando desde a manhã, e ao chegar cansado me deitei e comecei a ler. O sono me venceu. Ao acordar pro lado de dentro, acho que o cansaço, o calor abafado que tem feito nessa terra e a quixotização de Toscana, tudo isso se misturou no caldeirão da minha cachola resultando nos tais sonhos dançantes. Os sonhos, dentro do meu sonho, eram uma brincadeira estrutural, a metalinguagem dançando pra mim, um trocadilho visual e provocante. Era, enfim, a quixotização em sua plenitude.

Obrigado, Quixote. Obrigado, Toscana. Enfrentemos os dragões e os gigantes! Nos libertemos do jugo da razão e viajemos sem bússolas pelos mares da imaginação. Dancemos no silêncio e choremos no carnaval, sempre em nome das causas perdidas e daquilo que os homens sérios chamam non-sense. Queimemos os mapas e façamos a caminhada ao sabor do Destino, sem destino.

Sejamos ilhas de loucura no grande mar da razão, mas estejamos sempre num processo expansivo, a ponto de fazer a razão duvidar de si própria. Sim, plantemos a semente do caos na patética e opressora ordem. Vamos abolir o ponto final e rechear os parques, os livros, os quadros, as paredes e as mentes com pontos de interrogação.

E você, o que acha disso?

domingo, 7 de outubro de 2007

O sentido da vida

O mineiro estivera meio pensativo por vários dias. Perguntas sérias, relacionadas a esta existência e o sentido da vida, adentravam sua alma como uma boiada logo após o abrir da porteira do curral. Ele decidiu então subir a Montanha dos Quatro Elementos, essa que é a maior obra de arte da natureza.

A Montanha dos Quatro Elementos tem incontáveis quilômetros de altura e tem esse nome porque apresenta uma singular configuração dos quatro elementos básicos: há um belo lago de águas transparinas (transparentes e cristalinas); um pequeno vulcão adormecido dá um charme especial ao ambiente; a própria montanha representa a terra; e o vento sopra incessantemente emitindo um som que parece uma voz – a voz da natureza, dizem. Por tudo isso, acredita-se que quem chegar à parte mais alta e lá meditar será capaz de encontrar todas as respostas.

Claro que a Montanha dos Quatro Elementos, não obstante suas impressionantes dimensões e suas propriedades únicas, não está no mapa e não é do conhecimento do grande público. Ora, semelhante preciosidade causaria o interesse de muita gente inescrupulosa.

Imagine só, caro leitor. Num dia as manchetes dos jornais pelo mundo afora anunciam a descoberta da “irmã mais velha do Everest”, no dia seguinte especula-se que haja armas de destruição em massa e um grupo de guerrilheiros, e no terceiro lá está o tio Sam usufruindo nossas riquezas naturais, sempre em nome da Democracia. O mineiro, povo que sabidamente come quieto, tem conseguido preservar esse segredo como tal. E se a sombra da dúvida ainda pairar sobre sua cabeça, caro leitor, saiba que o fato de você nunca ter ouvido nada a respeito é justamente o que prova a veracidade de minhas palavras.

Mas chega de digressões. Tive que escapar ao tema principal para preencher uma lacuna. O mineiro decidiu então subir a Montanha dos Quatro Elementos. Preparou uma boa provisão de pão de queijo e café e começou a longa subida. Dura e desgastante foi sua jornada. À medida que ia subindo, mais e mais cortante se tornava o sopro gelado em sua face, e a necessidade de oxigênio crescia à mesma proporção que diminuía sua presença nos pulmões.

Muito mais que um mero par de hobbits subindo uma montanha comum com o vulgar intuito de levar um anel qualquer a certo lugar, lá estava o mineiro, reunindo todas as forças de seu corpo e sua alma em busca do sentido da vida. Depois de intermináveis dias, ao ponto de ele próprio não saber mais quantos, o mineiro finalmente chegou ao topo da Montanha. O vento soprava mais violentamente do que nunca, e as nuvens lá embaixo se movimentavam freneticamente. Acima, apenas o infinito azul e o intenso amarelo. O mineiro, ciente da grandiosidade da situação, multiplica suas forças e grita, a plenos pulmões: Quem cô sô? On cô tô? Djon cô vim? Pron cô vô?

Por um longo tempo, essas palavras ficaram voando acima das águias. Nenhum sinal de resposta. O mineiro chegara ao topo do mundo e nem sinal de resposta. Aos poucos a esperança foi minguando em seu coração; o fogo que o impulsionara até ali ia se extinguindo. Quando os anseios da alma não são atendidos, é então que o corpo fala mais alto. Ele sentiu uma imensa fome; pegou alguns pães de queijo e encheu uma xícara de café. Depois, tomado por enorme cansaço, deitou-se e fechou os olhos, já esquecido de sua missão.

Foi então que algo surpreendente aconteceu: de olhos fechados, no limite entre o lado de fora e o lado de dentro, foi então que o mineiro percebeu o sentido da vida. Para sua grande surpresa, ele descobriu que para ver o sentido da vida, é preciso fechar os olhos. A resposta esteve consigo o tempo todo, dispersa no silêncio. Muito feliz e realizado, o mineiro pegou mais alguns pães de queijo e encheu mais uma xícara de café. Ele tinha um longo caminho de volta.